terça-feira, outubro 10, 2017

Um Brinde aos Que Dão Murros na Mesa!

Hoje comemora-se o dia Mundial da Saúde Mental e eu não podia deixar de lançar o pânico por aqui. 
Muito tenho reflectido sobre o que é ser mentalmente saudável.
Não gosto de falar sobre este assunto com quem o encara de ânimo leve, com quem o menospreza como se de um corte de cabelo se tratasse. Não gosto de pessoas que acham que sabem tudo e que conseguem perceber o que alguém está a passar, graças à pseudo-visão-raio-X (aparentemente) poderosíssima que possuem. 

Gosto menos ainda daqueles que tentam desmoralizar ou desmotivar quem tem/teve a coragem de fazer um check up e tratar da sua saúde mental. Porque é destas pessoas que eu mais gosto e as que mais admiro: pessoas corajosas que gritam, que vão ao fundo do abismo buscar os medos, os problemas, as angústias. Que os vomitam para cima da secretária e os olham nos olhos. Idolatro pessoas que vão lá ao fundo desse músculo chamado coração e trazem cá para fora as emoções, que têm a coragem de as desenvencilhar como se de fios de lã emaranhados se tratassem. 

Cuidarmos de nós é um assunto mais sério do que possamos pensar. E quando a doença reside em algo que não é fisicamente visível, o estigma fala, quase sempre, mais alto. Demasiado alto. Se estivermos rodeados de pessoas que não entendam estas doenças, então aí é que está o caldo entornado. Uma pessoa emocionalmente instável não consegue distinguir um excelente de um péssimo amigo; está mais susceptível a tudo o que ouve. Um coração com emoções emaranhadas é um coração ao sabor do vento que os outros sopram: não sabe que direcção tomar, não consegue decidir, não consegue sonhar.

É aqui que entra a coragem; umas vezes forçada por uma ida às urgências; outras vezes vinda de uma voz determinada em ajudar. 

E o que é a vida de uma pessoa emocionalmente saudável? Não sou perita na matéria, não estudei este tema tão sensível na universidade mas sei que ser saudável não passa por ter a vida perfeita. Não passa por ter apenas momentos felizes, prendas caras, corpos esculturais. Não é uma vida regada apenas com vinhos caros, não é preenchida com o trabalho ideal nem com a família mais acolhedora e amorosa do mundo. Pode ter muitos ou quase todos estes aspectos mas não é só isto. A vida de uma pessoa mentalmente sã também tem dias maus, verdadeiramente maus. Tem problemas. Tem discussões, tem choro, baba e ranho. Tem confrontos de consciência. Tem gritos e tem, muitas vezes, reflexões difíceis. 
Tem tudo isto e tantas outras coisas más como qualquer outra vida. Mas tem também a esperança, a força, a resiliência, a certeza de que o dia seguinte pode ser mais soalheiro. Ainda que esse dia demore meses.

A vida de uma pessoa mentalmente sã também possui apertos e é nesses momentos que se mede o valor do que se é, e da importância que se dá ao que se possui: ou nos deixamos levar pela corrente e desaguamos num mar de desespero; ou escolhemos agarrar-nos aos amigos, essas pedras que nos vão ancorando; agarramo-nos às margens, essa família que nos puxa quando queremos cair; ou nos agarramos ao bote que o navio nos atira, tantas vezes disfarçado de amor de uma vida inteira. Pode-se acreditar que a escolha não é nossa mas asseguro que nunca será de outra pessoa. 

O estigma manda-nos calar a dor, o sofrimento, a revolta porque chorar é uma vergonha e porque pessoas saudáveis não vão ao chão. Mas pessoas sãs não vivem de estigmas; vivem de verdades. E a maior de todas é que a vida é só uma, é curta, é frágil mas é nossa. É o que temos. Somos nós que decidimos o que fazer dela, mesmo quando tudo parece ir contra o que sonhamos. Somos nós que podemos dar o murro na mesa; por muito que gostemos dos outros e que esse outros gostem de nós.

Dar a mão a quem possui competência técnica para ajudar, ou ficarmos à margem de nós próprios é a decisão mais difícil. A partir daí, o rio flui com mais facilidade. Com ervas daninhas, com remoinhos, com jacarés armados em golfinhos. No entanto, passamos a saber lidar com tudo isso de forma mais saudável e feliz.  

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